Toda a Europa é hoje prisioneira de uma mudança estrutural no
nível de envelhecimento das populações e, por conseguinte, não são de admirar o
baixo crescimento e a baixa inflação.
A altura em que a União
Europeia cumpre 60 anos é sem dúvida de inquietação, sobretudo para os
europeístas, mas não é só um momento de balanço; é também de reflexão para o
futuro, além dos altos e baixos da vida política, como o Brexit e o populismo
soberanista. Com efeito, mesmo que a actual estrutura da UE se desmoronasse,
isso não resolveria nenhum dos problemas de que se queixam países tão diversos
como a Inglaterra ou a Polónia. De Portugal nem falemos! Pessoalmente, levo
mais de 40 anos numa Europa comunitária e nunca conheci melhor lugar para viver
e circular, sempre com o número de países a aumentar… e a protestar!
Esta Europa sempre teve
inimigos. O caso da Inglaterra é paradigmático: com um pé dentro e outro fora,
foi a crise gerada em 2007-2008 nos USA que levou ao Brexit e que exacerbou a
crise nos elos mais fracos da «moeda única». Foi então que a casta dirigente
inglesa preferiu fugir a encontrar soluções dentro de uma UE que não tinha
capacidade para dirigir… Trata-se, contudo, de prolongados problemas
conjunturais que poderão ser ultrapassados com o tempo e com reformas
apropriadas para lidar, sobretudo, com esse experimento único que é o «euro», o
qual foi sempre detestado pelos USA e pela Inglaterra porque lhes faz
concorrência.
Para além dos problemas
conjunturais houve, porém, nos 60 anos de existência da UE, mudanças societais
de natureza profunda às quais nenhum país se adaptou totalmente. A principal
delas é o envelhecimento cada vez mais
acentuado das populações europeias, seja no «centro», como a
Alemanha, ou nas «periferias» de Leste e do Sul. Portugal é dos casos mais
agudos do mundo a médio-longo prazo.
Dito isso, muito pouco
tem sido feito no sentido de incorporar o envelhecimento sócio-demográfico nas
políticas públicas, nomeadamente pensões e saúde, conforme recordou a
antiga secretária de Estado Margarida Correia de Aguiar. Entretanto, a
comunicação social repete em uníssono que o actual governo se propõe «dar bónus a quem adiar as reformas», quando na
verdade o governo tem é evitado discutir a sério as repercussões orçamentais do
envelhecimento da população, começando por criar uma comissão independente de
especialistas, inclusive internacionais. Na saúde, claramente, os cortes
operados nos cuidados não têm feito outra coisa se não obrigar os idosos a
tirar o dinheiro das pensões para se tratar. E depois os economistas admiram-se
das baixas poupanças.
Sendo incontornável,
este é apenas um exemplo entre inúmeros outros da forma complexa como o
envelhecimento da população se repercute no crescimento, sobretudo nos países
cujos sistemas económicos ainda nem sequer desenvolveram os múltiplos mercados
de tecnologia e serviços que já existem para a «terceira idade», como é o nosso
caso. Com efeito, as consequências económicas negativas do envelhecimento na UE
explicam em boa parte o baixo crescimento da economia europeia, em especial nos
países com baixa exportação. Por sua vez, o baixo crescimento induz uma
imigração muito menor do que já foi, deixando esta última de substituir a
força-de-trabalho local que está a deixar de existir devido à baixa natalidade
e de trazer à Europa pessoas jovens com índices de fecundidade mais altos. É,
pois, um encadeado de efeitos negativos que a crise gerada em torno dos
refugiados dos países muçulmanos não ajuda, obviamente, a resolver no
curto-prazo, mas o problema não é apenas político, como se vê em Portugal, onde
é a ausência de crescimento que repele os imigrantes!
O balanço dos efeitos e
contra-efeitos do envelhecimento sobre o crescimento económico é hoje matéria
de estudos abundantes. Foi recentemente publicado em
Portugal um «meta-artigo» que faz o balanço de 50 estudos cujas
conclusões variam de país para país mas são, como era de esperar, mais negativas
do que positivas. Segundo Axel Börsch-Supan, uma das principais autoridades na
matéria, os efeitos do actual nível de envelhecimento não têm precedentes e a
investigação citada acima considera que tais efeitos, dependendo dos métodos de
análise, são particularmente negativos em países como os da UE.
Salientam-se, assim, os
efeitos devidos à mudança dos padrões de consumo e poupança dos mais idosos, ao
capital humano inferior das pessoas em fim de carreira e, sobretudo, ao aumento
da despesa social pública, portanto dos impostos versus investimento. Toda a
Europa é hoje prisioneira desta mudança estrutural e, por conseguinte, não são
de admirar o baixo crescimento e a baixa inflação. Em Portugal, devido às
políticas dos sucessivos governos, as facilidades dadas pelo «euro»
traduziram-se num crescimento abaixo de medíocre em todo o século XXI. Sem
reformas estruturais, o envelhecimento da população é parte da explicação. Isto
deve preocupar-nos tanto ou mais do que a presente conjuntura internacional, se
quisermos que a comunidade europeia prossiga a sua marcha.
Observador
www.miguelimigrante.blogspot.com
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