sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Imigrantes que trocaram o Brasil pelos EUA temem deportação

O trabalho nos escritórios dos advogados Moisés Apsan e Vitoria Pinhas, em Nova Jersey e em Nova York, tem sido estafante. Com mais de três décadas de especialização em leis de imigração, Moisés admite ao Correio: “Muitos dos brasileiros que vivem aqui estão nervosos e temem que a imigração vá pegá-los a qualquer minuto, na rua, em casa ou no trabalho”. Por telefone, Vitória afirma que a comunidade de brasileiros está “aterrorizada”. “Nos dias posteriores à assinatura da ordem executiva (banindo a entrada de imigrantes de sete países islâmicos), eu recebi telefonemas de imigrantes legais e ilegais. Quando a Justiça vetou o decreto, os ilegais passaram a me procurar mais”, explica. 

As diretrizes de controle migratório anunciadas na terça-feira pelo Departamento de Segurança Interna — a deportação de ilegais suspeitos ou acusados de delitos e a contratação de 10 mil funcionários da Imigração — elevaram a tensão entre os brasileiros e lançaram a sombra de um pesadelo sobre o “american dream” (“o sonho americano”). Moisés revela que os principais ameaçados de deportação sumária são os brasileiros que migraram há menos de dois anos. “Essas pessoas podem ter problemas. Para quem está com mais tempo, a lei não mudou.”

Wágney Alves Guimarães, 51 anos, deixou Goiânia há dois anos e meio para viver em Atlanta, no estado da Geórgia, com a mulher, Ana Paula, e o filho, Júnior. Com seis meses de permanência nos EUA, ele conseguiu renovar o visto pelo mesmo período. “Depois, não foi possível fazer nada”, conta à reportagem. A única documentação que a família possui é o ITIN number, número que permite a abertura de empresas e a prestação de serviços. “Não temos condição de legalização, a não ser por meio de casamento com uma pessoa que seja cidadã americana. Não nos dispomos a isso”, comentou o goiano, que trabalha na instalação de gabinetes em banheiros e em cozinhas. “A comunidade brasileira está em um grau de ansiedade considerável. Os que são legais temem pelos que não são. Há redes comunitárias grandes aqui, e as pessoas usam a internet para aterrorizar as outras. Há aquelas que buscam alertar onde há blitze, mas nunca sabemos o que é verdade”, relata, ao explicar que infrações no trânsito são “anzóis” usados pela Imigração.

Apesar do medo da deportação, Wágney acredita que o presidente Donald Trump tem razão “em parte” na política migratória. De acordo com ele, assassinos, ladrões e traficantes entram em território norte-americano por meio da fronteira do México. “Eles ameaçam a segurança de todos nós. É extremamente importante que o governo faça a assepsia. Principalmente para aqueles que pagam impostos, como eu. O nosso receio é de que, quando a tarrafa bater, ela leve também os bons peixes. Além de ser muito caro, um processo de deportação é emocionalmente desastroso.” 

Boatos

Fotógrafa em Newark (Nova Jersey), Vera Reis, 60, vive situação parecida. Ela entrou nos EUA em 2001, 15 anos após a última anistia aos ilegais. “Foi  uma decisão drástica e momentânea, por um problema que tive com a família. Precisava de um tempo longe”, explica. “A única forma possível e viável de legalização tem sido o casamento. Como sou casada, não tenho tal opção.” Ela confirma que os brasileiros estão “inquietos e assustados com boatos que ‘pipocam’ o tempo todo’”. “Existem muitas pessoas com cartas de deportação por terem cometido delito ou não terem comparecido à audiência na Corte. Quem está aqui há bastante tempo e tem ficha limpa não tem com o que se preocupar. Em caso de apreensão, tem direito a advogado, e isso pode ser meio para a legalização.”

Para Vera, Trump “não tem todo o poder que pensa”. Ela cita a existência de milhares de organizações a favor dos imigrantes e sublinha que a Justiça invalidou  algumas das ordens executivas promulgadas pela Casa Branca. “Os EUA foram criados por imigrantes. Quase 400 cidades se autoproclamaram ‘santuários’, inviabilizando o poder das autoridades de incomodarem os imigrantes.”

Moradora de Stamford (Connecticut), Arilda Costa McClive escreve para o jornal Brazilian Times, distribuído na comunidade brasileira em nove estados, e administra dois grupos do Facebook — “Brasileiros nos Estados Unidos” e “Brasileiros em Connecticut” — que somam 70 mil internautas. Segundo ela, as pessoas estão “tensas e preocupadas”.  “Procuro tranquilizá-las e informá-las do que ocorre. Trump não decide tudo sozinho. Para quem trabalha e vive honestamente, a chance de ser deportado é muito pequena”, atesta a mineira, que está legal no país há 17 anos. Ela aconselha os compatriotas a evitarem infrações, a andarem na linha e a não criarem inimizades. “As bruxas estão à solta”, lamenta.

O impacto da deportação de imigrantes preocupa Udson Alves Rodrigues, 43 anos, que trocou Rio Verde  (GO) por Novato, na Califórnia, aos 18. “Trabalho na construção civil e tenho funcionários ilegais. Se forem deportados, não vai ser muito bom para mim nem para milhares de negócios”, diz à reportagem. Naturalizada americana, a cearense Roberta Rodrigues, 44, de Waterbury (Connecticut), classifica as diretrizes de “extremas e desnecessárias” e culpa Trump pela onda de preconceito. “As coisas estão explícitas. As pessoas agridem umas às outras. É como se tivesse sido aberto um portão de permissão: ‘Agora vocês podem dizer na cara dessas pessoas que não são daqui que elas não são bem-vindas.”

Correio Brazilense 


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