sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

México concede refúgio a mulheres hondurenhas alvo de violência de gênero

Violentadas, espancadas e abusadas por seus parceiros membros de gangues, algumas mulheres hondurenhas encontraram segurança no México, onde mudança na legislação passou a reconhecer a violência de gênero como motivo para solicitação de refúgio. A Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) ajuda financeiramente cerca de 1,6 mil refugiados que vivem no país.
Brenda lava roupas com seus filhos. Os anos de abuso cometido por seu então namorado em Honduras quase acabaram com a família. Foto: ACNUR/Daniele Volpe
Brenda lava roupas com seus filhos. Os anos de abuso cometido por seu então namorado em Honduras quase acabaram com a família. Foto: ACNUR/Daniele Volpe
Gabriel*, de 9 anos, não gosta de falar muito sobre sua casa em Honduras, mas consegue descrever vividamente uma das explosões finais de seu pai. “Certa noite, ele chegou em casa transtornado e agarrou minha mãe pelos cabelos e foi pow! pow! pow!”, disse, encenando os golpes desferidos contra Brenda. “Quando acabou, estávamos cobertos de sangue”.
Assim que seu namorado saiu da casa, Brenda, de 39 anos, perplexa e desesperada, agarrou Gabriel e Lúcia, sua filha de 7 anos, e foi para a delegacia.
“Corri e implorei: ‘ajude-me, por favor!’. Mas eles apenas disseram: ‘lamentamos, mas não há nada que possamos fazer por você’”, contou.
Seu parceiro era líder de uma gangue de rua que dominava o bairro em San Pedro Sula. Os policiais não o intimidavam, temendo a reação dos grupos. É provável que muitos fossem coniventes com os criminosos.
A tentativa de Brenda de obter ajuda da polícia veio depois de quase uma década de relacionamento abusivo, o qual ela compara à vida de um prisioneiro. “Ele me bateu, abusou de mim. Disse que eu era um lixo, incapaz de fazer qualquer coisa. Disse que depois de quatro filhos, ninguém jamais iria me querer novamente. Não deixava eu me vestir como quisesse ou colocar maquiagem. Não permitia que eu saísse de casa. Me estuprava sempre que queria”, declarou.
Atualmente, Brenda usa nos olhos um delineador azul escuro perfeitamente aplicado com sombra, um luxo redescoberto depois que tentou recomeçar sua vida em Tapachula, no México. “Vou cortar seus pés se você tentar fugir” foi uma das últimas ameaças de seu ex-namorado, cuja gangue tinha poder por todo o país. Abandonada pelas autoridades, ela não viu outra saída a não ser deixar Honduras.
Os anos de abuso quase destruíram a família de Brenda. Seu outro filho de 12 anos foi morar com os avós depois de ter sido espancado e violentado pelo então namorado e seus amigos de gangue. Depois que seus pais acolheram o menino, ela foi proibida de visitá-los. Sua filha Érica, de 19 anos — que também fugiu para o México levando consigo sua filha de 1 ano —,havia sido expulsa de casa por seu então parceiro, outro membro de gangue.
Surgidas nos anos 1980 a partir do caos provocado pelas guerras civis que afetaram El Salvador e Guatemala, as gangues de rua se alimentaram do crescimento da corrupção institucional e da pobreza em Honduras e outros países da América Central.
Em nações dominadas por esses grupos, histórias como a de Brenda são frequentes. O machismo e a violência fazem com que muitas mulheres se tornem escravas de seus parceiros. “Eu sempre penso em quantas outras mulheres continuam vivendo o que eu estava vivendo”, disse Brenda.
A neta de Brenda brinca em creche no México, onde mulheres e crianças têm acesso a refeições, ajuda psicológica, aulas de alfabetização e banho. Foto: ACNUR /Daniele Volpe
A neta de Brenda brinca em creche no México, onde mulheres e crianças têm acesso a refeições, ajuda psicológica, aulas de alfabetização e banho. Foto: ACNUR /Daniele Volpe
A presença das gangues é opressora para os mais vulneráveis. A filha de Brenda, Érica, relacionou-se com um homem que ofereceu a ela dinheiro e um lugar para morar. No início, ele era gentil, mas, rapidamente, tornou-se controlador. Assim como a mãe, Érica tornou-se refém.
“Eu tinha permissão para sair de casa para comprar mantimentos, mas os amigos dele me seguiam e me observavam. Ele nunca me deixou sair de vista”, disse Érica, que não podia trabalhar e era proibida de falar com a mãe.
Brenda também estava perto de seu limite: “em uma noite, peguei uma faca e a coloquei no meu pulso”. “Comecei a me cortar e depois parei”, disse, passando a mão sobre a cicatriz no punho. “Eu pensei: ‘tenho filhos, não posso deixá-los com esse homem’”.
Ela viu seu filho Gabriel dar sinais de comportamento igualmente violento sob a tutela do pai. “Eles começaram a recrutar meninos da idade dele”, lembrou. “Davam celulares, sapatos e roupas para fazê-los gostar da gangue”.
A família de Brenda vive hoje em um único quarto com dois colchões, uma rede e uma televisão pequena, na cidade mexicana de Tapachula. Todos receberam proteção complementar — uma designação semelhante ao asilo — pela Comissão Mexicana de Assistência aos Refugiados (COMAR).
Graças a uma mudança de 2011 na legislação do país, a COMAR passou a levar em conta a violência de gênero ao analisar casos de refugiados, para que mulheres como Brenda tivessem mais perspectivas de receber proteção do Estado mexicano.
Agora, a família tenta sobreviver enquanto aguarda uma permissão de residência. Érica e Brenda já trabalharam como garçonetes em bares — únicos empregos que conseguiram em Tapachula. As duas pediram demissão, assustadas com o assédio dos homens bêbados e suas ofertas de dinheiro em troca de sexo.
No momento, estão pagando aluguel e comprando mantimentos com o apoio financeiro da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), que dá esse benefício a outros cerca de 1,6 mil refugiados no país.
ONU
www.miguelimigrante.blogspot.com

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