sábado, 29 de novembro de 2014

Chefe da FAO destaca relação de migração com desenvolvimento rural

José Graziano da Silva diz que se países do Mediterrâneio quiserem frear a onda de migração forçada e sofrimento humano, eles devem tornar agricultura  o centro de sua cooperação regional; chefe da FAO também quer mais atenção à juventude.

Melhorar as políticas de cooperação entre países no setor agrícola e de desenvolvimento rural pode ser a chave para ajudar a conter os movimentos de migração forçada no Mediterrâneo.
A proposta foi feita nesta sexta-feira em Roma pelo diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, FAO.

Pesca
De acordo com José Graziano da Silva é preciso investir pesado nas populações camponesas especialmente a juventude.
O chefe da FAO discursou na Conferência Euro-Mediterrânea sobre Agricultura, em Palermo, na Itália. Para Graziano da Silva, os jovens devem ter mais incentivo para participar de atividades como por exemplo: a lavoura, a pesca e aquicultura em suas próprias comunidades.
O aumento de oportunidades no setor agrário deve estar no centro de estratégias de combate à pobreza e de promoção do desenvolvimento.

Estruturas
O diretor-geral da agência da ONU lembrou que a migração de jovens, principalmente homens tem causado um abismo nas estruturas de comunidades rurais.  O fenômeno ainda coloca pressão sobre as mulheres, crianças e idosos que geralmente permanecem em suas comunidades enquanto os homens saem à procura de oportunidades.
José Graziano da Silva defende que novas chances no agronegócio para camponeses jovens ajudarão a melhorar o sustento de agricultores em suas próprias comunidades rurais.
Graziano da Silva lembrou de fatores como mudança climática, degradação ambiental e a escassez de terra e água em iniciativas de cooperação regional.
Para ele, a migração forçada é resultado do medo, do desespero e da fome.
Ao mencionar um naufrágio, ocorrido no ano passado perto da ilha italiana de Lampedusa, e que matou centenas de migrantes, Graziano da Silva lembrou as palavras do papa Francisco e disse que é preciso evitar que o Mediterrâneo seja transformado num "vasto cemitério."

Mônica Villela Grayley, da Rádio ONU em Nova York.


Presas estrangeiras: contexto de violações ainda mais grave nas prisões brasileiras

Adital 

Até que ponto o encarceramento em prisões é uma política capaz de promover justiça, segurança e ressociabilização à população brasileira? A Irmã Michael Mary Nolan, presidente do Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) responde que a privação de liberdade não funciona como uma política social efetiva. Ao contrário. Para ela, a política de encarceramento em massa está, hoje, permeada por uma política de guerra às drogas, de criminalização da pobreza e é um reconhecido espaço de violação de direitos.
Entre a população carcerária feminina, o contexto é ainda mais grave quando se trata de estrangeiras. Em entrevista exclusiva à Adital, a advogada de direitos humanos, especializada no trabalho com prisioneiras mulheres estrangeiras no Brasil, aponta que os casos da maioria das mulheres presas são uma consequência do aliciamento por parte do tráfico internacional de drogas, que as interceptam para atuarem como “mulas” do crime organizado, no transporte de substâncias psicotrópicas ilegais. Muitas vezes, elas nem sequer têm conhecimento da presença de drogas entre seus pertences.
Para as mulheres estrangeiras as ocorrências são ainda mais complexas, já que, além do conflito com a justiça, elas alegam sofrerem negação de direitos e discriminação em seus processos criminais. Segundo Michael, muitas vezes benefícios de execução de pena são negados simplesmente por elas não serem cidadãs brasileiras, mesmo que a legislação não preveja esse tipo de diferenciação. A dificuldade com o idioma na rotina carcerária é apontada como mais uma barreira no processo criminal, bem como a ausência de assistência aos direitos básicos das presas.
Nesse contexto, até mesmo depois que saem da prisão, as estrangeiras seguem enfrentando uma série de adversidades. A primeira delas, de acordo com irmã Michael, é encontrar espaços de acolhimento que as aceitem pelo fato de serem estrangeiras e egressas do sistema prisional.
Além disso, a maioria das mulheres é libertada sem portar consigo nenhum documento de identificação, o que as deixa numa situação irregular e ainda mais vulnerável na busca de acesso às políticas públicas e reinserção social. Segundo ela, a política social para pessoas em conflito com a lei deve basear-se no combate às políticas de exclusão e no desencarceramento. Atualmente, cerca de 750 mulheres estrangeiras estão encarceradas em presídios brasileiros, a maioria das nacionalidades boliviana, sul-africana e angolana.
ADITAL – Como são os atendimentos sociais prestados às presas estrangeiras pelo ITTC?
Michael Mary Nolan – OProjeto Estrangeiras, do ITTC [organização não governamental com sede na cidade de São Paulo (Estado em São Paulo), que atua na defesa dos diretos dos cidadãos com o objetivo de reduzir o encarceramento], realiza visitas semanais à Penitenciária Feminina da Capital, que concentra a maior parte das estrangeiras privadas de liberdade em prisão provisória e em regime fechado no país, e visitas mensais ao Centro de Progressão Penitenciária Feminino do Butantã, onde está a maior quantidade de estrangeiras em regime semiaberto.
Nessas visitas, são realizados atendimentos diretos, tanto individuais como coletivos, a fim de levantar as demandas destas mulheres, dar encaminhamento para resolvê-las e dar o devido retorno a elas sobre a nossa atuação com relação a cada caso.
Uma das maiores demandas é de atendimentos que chamamos de sociais, que se referem tanto à facilitação do contato delas com seus familiares no país de origem e com órgãos responsáveis pelo acompanhamento dos seus casos (Defensorias Públicas, representações diplomáticas, rede sócio-assistencial, entre outros), assim como à assistência em situações específicas que exigem mais atenção. É o caso, por exemplo, de mulheres gestantes em privação de liberdade, mulheres puérperas, que ficam com seus bebês recém-nascidos dentro da unidade prisional, e mulheres cujas crianças necessitam serem repatriadas ao país de origem ou se encontram em acolhimento institucional, por não terem pessoas que possam manter seus cuidados no período de encarceramento da mãe.
Além dos atendimentos sociais, prestamos orientação jurídica a essas mulheres com relação às diversas dúvidas que apresentam sobre seus processos criminais e sobre seus direitos. O ITTC realiza contatos com as famílias das presas, os consulados e terceiros para ajudarem a resolver os problemas apresentados. Também orienta as presas sobre seus direitos.
ADITAL – Qual o crime mais comum atribuído às presas estrangeiras?
MMN – Tráfico internacional de drogas. A maior parte das mulheres que acompanhamos foi presa como “mulas” do tráfico, na tentativa de embarcarem com drogas para o exterior. Em alguns casos, sem sequer terem a consciência sobre a presença de drogas em suas bagagens.
ADITAL – As presas estrangeiras têm atendimento jurídico satisfatório?
MMN – A maior parte das estrangeiras em conflito com a justiça é assistida em seus casos pelas Defensorias Públicas da União e do Estado, que se esforçam para prestarem atendimento jurídico satisfatório. Devido à grande quantidade de casos em que atuam e à quantidade insuficiente de profissionais que trabalham nesses órgãos, existe certa dificuldade em realizar atendimentos pessoais com frequência, mas a defesa nos processos criminais é sempre garantida.
Em maio de 2014, o Projeto Estrangeiras firmou um acordo com a Defensoria Pública da União, que permitiu o destacamento de pessoas estagiárias desse órgão para atuação direta e permanente com o Projeto Estrangeiras, o que aprimora a atuação tanto do projeto como da Defensoria. Além disso, semanalmente, somos acompanhadas por defensores e defensoras, que auxiliam com os atendimentos jurídicos. Sim, tanto a Defensoria Pública da União quanto a defensoria estadual prestam um excelente atendimento jurídico.
ADITAL – Qual a principal queixa das presas?
MMN – Uma das principais queixas diz respeito à negação de direitos e à discriminação que alegam sofrerem em seus processos criminais por serem estrangeiras. Em muitos casos, benefícios de execução de pena (progressão de regime e livramento condicional, sobretudo) são negados às estrangeiras somente com base nesse fato, apesar da legislação não prever tal discriminação e, pelo contrário, pregar a igualdade entre pessoas brasileiras e estrangeiras.
Outras queixas recorrentes são relativas à dificuldade de acesso à saúde dentro do sistema prisional, à dificuldade com o idioma na rotina dentro do estabelecimento e no processo criminal e à ausência de assistência de um modo geral.
Mesmo quando saem da prisão, as estrangeiras seguem enfrentando uma série de adversidades, a começar pela dificuldade de encontrarem espaços de acolhimento que as aceitam, pelo fato de serem estrangeiras e egressas do sistema prisional. Além disso, a maioria das mulheres é solta sem levar nenhum documento de identificação consigo, o que as coloca em situação irregular e entrava a busca por emprego e o acesso a políticas públicas.
ADITAL – Qual o principal motivo alegado pelas presas para terem entrado no mundo do crime?
MMN – Na grande maioria dos casos, que são relacionados ao tráfico de drogas, as mulheres não chegam a “entrarem do mundo do crime”, já que não se tornam parte de organizações, sendo apenas aliciadas para carregarem determinada quantidade de drogas para o exterior em troca de certa quantia em dinheiro.
O aliciamento e a aceitação da realização desse serviço ocorrem, sobretudo, devido a dificuldades financeiras e situações de necessidade vividas por essas mulheres que, geralmente, provêm de famílias numerosas e pobres das quais são as principais provedoras.
Entendemos que, em alguns casos, as pessoas aliciadas como “mulas” do tráfico de drogas são vítimas do tráfico de pessoas, por ocorrer o aproveitamento de sua situação de vulnerabilidade por parte de aliciadores, que recorrem a ameaças, fraude e outros mecanismos para a aceitação da realização do carregamento das drogas por parte dessas “mulas”. Entendemos que é a vulnerabilidade das mulheres que leva a maioria a entrarem nesse empreendimento. Entendemos que muitas são vítimas do tráfico humano.
ADITAL – Quem são os parceiros do ITTC?
MMN – As defensorias públicas, alguns consulados e pessoas que se interessam pela questão.
ADITAL – Do momento da acusação até o encarceramento, quais as violações dos direitos humanos que as presas mais sofrem?
MMN – O próprio sistema prisional do Brasil é uma violação de direitos. A política de encarceramento em massa acarreta a superlotação das unidades prisionais, que se tornam espaços de tortura permanente contra uma população marginalizada, que é, ao mesmo tempo, ignorada pelo Estado, no que diz respeito a políticas sociais, e alvo da seletividade do poder punitivo.
ADITAL – Há alguma mulher que foi presa por engano e cumpriu pena mesmo assim?
MMN – Há alguns casos de mulheres que ficaram presas provisoriamente e foram absolvidas em primeira instância, ao fim do processo de conhecimento. Há um caso de uma mulher que foi condenada a uma pena privativa de liberdade em primeira instância, cumpriu parte da pena e foi absolvida em segunda instância em Apelação Criminal.
ADITAL – Qual a visão que o Instituto possui a respeito da prática do encarceramento? É uma prática fracassada?
MMN – O Instituto é a favor do desencarceramento por entender que a política de encarceramento em massa é fracassada e injusta ao ser seletiva e direcionada à parte da população que, historicamente, sofre com a exclusão social e a invisibilidade no Estado de direito; que é o caso da população jovem, pobre, negra, moradora das regiões mais periféricas da cidade ou em situação de rua. Mais recentemente, as mulheres nestas condições também têm se tornado alvo desta política e da seletividade por parte do poder punitivo. Entendemos que é uma pratica fracassada e injusta.
ADITAL – O sistema prisional brasileiro consegue proporcionar alguma atividade de recuperação social para as detentas?
MMN – Não. O cárcere é incapaz de funcionar como “recuperador” ou “ressocializador” de pessoas por ser reconhecidamente um espaço de violação de direitos.
ADITAL – A política social com relação aos presos funciona? Quais são as soluções possíveis para mudar essa política?
MMN – Não existe política social com relação a pessoas privadas de liberdade, a não ser a política do encarceramento em massa, permeada pela política de guerra às drogas e pela criminalização da pobreza. A solução está no combate a todas essas políticas de exclusão e no desencarceramento.
ADITAL – O ITTC tem outros projetos que aparam as presas? Quais?
MMN – Em parceria com uma missionária voluntária, membro da Pastoral Carcerária, o ITTC tem desenvolvido ciclos de oficinas de saúde, direitos sexuais e gênero na Penitenciária Feminina da Capital [São Paulo].
ADITAL – Como participar dos projetos e atividades sociais do ITTC?
MMN – Frequentemente, abrimos editais de contratação de novos integrantes para os diversos projetos desenvolvidos pelo ITTC, todos disponibilizados acessíveis em nosso site e em nossa página no Facebook.
(Colaborou Marcela Belchior)


sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Refugiados sensibilizam sociedade brasileira sobre importância da integração

“Viva o Brasil. Viva o Brasil”. Na Praça da Sé, localizada no centro da maior metrópole brasileira, refugiados que moram em São Paulo cantam este refrão e balançam bandeiras de diferentes países numa coreografia ensaiada.
Vista do alto, a imagem que vai se formando pela dança das bandeiras é emoldurada pelas torres neogóticas da Catedral Metropolitana de São Paulo, pelos coqueiros da praça e pelos edifícios da cidade na qual estes refugiados estão refazendo suas vidas, longe de conflitos, guerras e perseguições. Tudo está sendo registrado em um documentário elaborado pelos próprios refugiados como parte de um projeto inédito de sensibilização e conscientização do brasileiro sobre o tema do refúgio.
A homenagem ao Brasil é legítima, mas os refugiados que participaram desta atividade em uma nublada manhã de domingo – além de outros que não estiveram na praça, mas que estão envolvidos com o projeto – consideram que a maioria dos brasileiros desconhece o tema do refúgio. Esta falta de informação, segundo eles, gera preconceito e dificulta sua integração social e econômica no Brasil.
Para tentar mudar esta situação, vários refugiados que vivem no Brasil – especialmente jovens – se uniram em torno de um projeto para sensibilizar a população brasileira sobre sua situação e seus direitos: trata-se da “Youth Initiative” (ou “Iniciativa Jovem”), promovida pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) em todo o mundo.
O objetivo global da “Iniciativa Jovem” é contribuir para a proteção e o desenvolvimento de habilidades dos jovens refugiados por meio de projetos que são pensados, elaborados e executados por estes mesmos jovens. Neste contexto, propostas elaboradas por jovens refugiados em mais de 60 países foram submetidas ao ACNUR e somente 16 foram selecionadas: entre elas, o projeto de sensibilização construído pelos jovens refugiados que vivem em São Paulo.
A atividade realizada na Praça da Sé é parte deste projeto e será incluída em um videoclipe que busca desconstruir algumas das visões incorretas e estereotipadas que, segundo eles, muitos brasileiros possuem sobre o tema.
No vídeo, os refugiados reproduzem a chegada em São Paulo com malas identificadas com as bandeiras de seus países, mas também com adesivos representando estereótipos negativos normalmente associados à sua terra natal. Quando essas malas são abertas, começa a desconstrução dos preconceitos, que é embalada por uma música composta pelo grupo. Muitas das cenas têm sido mantidas em segredo, para não quebrar o impacto do lançamento do videoclipe, previsto para o final deste ano.
Mesmo não tendo o português como sua língua materna, os refugiados que compuseram a música do videoclipe escreveram a letra em português, para inserir somente ao final da música algumas frases em seus próprios idiomas. Do árabe ao espanhol; de urdo ao iorubá, os quase dez idiomas registrados na música representam a diversidade da população refugiada no Brasil: cerca de 7.200 pessoas, de mais de 80 nacionalidades diferentes.
“Eu saí da minha terra pra salvar a minha vida, e têm várias histórias que a gente passou”, dizem os primeiros versos da canção, que retrata vários fatos que levam uma pessoa a se tornar um refugiado. O reconhecimento pelo acolhida dada no Brasil vem a seguir: “Viver aqui nos traz esperança. Queremos compartilhar a nossa cultura. Brasil nos dá mais segurança. Nós somos muito mais felizes agora”.
 O vídeo também traz depoimentos sobre a vida dos refugiados no Brasil, nos quais contam fragmentos de sua história e reconhecem a generosidade do país em acolhê-los e as oportunidades para começar uma nova vida.
Coordenado pela equipe da Caritas Arquidocesana de São Paulo, o projeto envolveu discussões entre os próprios refugiados, que identificaram as principais barreiras à sua integração no país.
O projeto vem sendo executado desde agosto de 2014 e inclui – além da realização do vídeo – oficinas de trabalho com os refugiados sobre seus direitos e deveres no Brasil e sobre criação, redação, roteiro e música. Estas oficinas foram desenvolvidas ao longo dos vinte encontros que antecederam a gravação da música (em um estúdio) e do videoclipe. 
Um dos mais ativos participantes do projeto é o jovem Uchen Henry, de 21 anos, refugiado da Nigéria que vive no Brasil há quase dois anos. Ele deixou seu país por causa de perseguições a ele e à sua família e atualmente trabalha como professor de inglês em uma escola particular.
“O Brasil dá segurança e esperança para os refugiados, mas os brasileiros precisam entender melhor quem somos e porque estamos aqui”, afirma Uchen. Ele conta que as pessoas costumam confundir as palavras “refugiado” e “fugitivo”, o que deixa os refugiados numa situação incômoda – pois gera reações de medo, e não de solidariedade.
Para o refugiado sírio Talal Altinawi, que passou a integrar o projeto a partir da gravação do videoclipe,  “os brasileiros devem saber que os refugiados são pessoas como outras quaisquer”. Ele chegou ao país há dez meses, com a mulher e duas filhas. Um novo filho está a caminho, pois sua mulher está grávida de seis meses. “Somos irmãos e devemos viver em harmonia”, afirma Talal, que trabalha atualmente como engenheiro mecânico, exercendo a mesma profissão na qual se graduou na Síria.
Para alguns refugiados, a participação no projeto tem sido uma maneira de externar opiniões e de se fazer ouvir. “Podemos nos expressar, e sinto que não estamos sós”, afirma o colombiano Álvaro Rodriguez (*), que aos 40 anos vive no Brasil com as duas filhas e a mãe.

Assim como Talal e sua esposa, Rodrigues e seus filhos foram convidados pelos jovens responsáveis pelo projeto para participar das filmagens e representar as famílias que chegam ao Brasil, após sofrerem perseguições e situações de guerra em seus países.
“Quando falo que sou um refugiado, pensam que sou um delinquente, que estou escondendo algo. E isso se dá por desconhecimento”, atesta Álvaro, que trabalha como cozinheiro em um restaurante no centro da cidade. “Espero que o vídeo possa ajudar a esclarecer estes conceitos”, espera Álvaro.
Para o representante do ACNUR no Brasil, Andrés Ramirez, este projeto “está ajudando os jovens refugiados a criar um novo significado sobre o que é ser um refugiado no Brasil e a trabalhar habilidades em conjunto com outras nacionalidades, fazendo com que se percebam como um grupo com demandas específicas e similares”.
Ramirez lembra que o projeto acontece em um momento significativo para as estatísticas de refúgio no Brasil. Segundo documento divulgado recentemente pelo ACNUR e pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), o número de pedidos de refúgio no país aumentou mais de 930% entre 2010 e 2013 (de 566 para 5.882 pedidos). Até outubro de 2014, já foram contabilizadas outras 8.302 solicitações. A maioria dos solicitantes de refúgio vem da África e da Ásia (inclusive Oriente Médio).
O número de refugiados reconhecidos também aumentou expressivamente neste período. Em 2010, 150 refugiados foram reconhecidos pelo CONARE, enquanto em 2014 (até outubro) houve 2.032 deferimentos pelo CONARE, o que representa um crescimento aproximado de 1.240%.
Por Luiz Fernando Godinho, de São Paulo
 ACNUR


Peruanos y cubanos lideran ranking de extranjeros nacionalizados en Chile

Departamento de Extranjería da cuenta de la evolución -en los últimos seis años- del núm ero personas que obtuvieron esta condición. En el caso de las personas provenientes de Cuba y Ecuador, en su mayoría están relacionadas con el área de la salud.
Con la idea de instalarse de forma permanente en el territorio nacional, en los últimos seis años 5.340 extranjeros provenientes de 105 países han obtenido cartas de nacionalización, acreditándose así su nueva condición de chilenos.
Según un registro elaborado por el Departamento de Extranjería y Migración -que da cuenta de la evolución de las nacionalizaciones desde 2009- los migrantes peruanos lideran el ranking con 1.219 personas, seguidos por los cubanos (727) y los ecuatorianos (646). Los dos últimos  cubren muchos puestos de trabajo destinados al área de salud pública en Chile. 
“En su mayoría los cubanos y ecuatorianos vienen a ejercer sus profesiones acá, siendo médicos una cantidad importante de ellos. Por lo mismo, me he reunido con gente del Ministerio de Salud para avanzar en cómo permitir que lleguen más extranjeros a hacerse cargo de áreas que los médicos chilenos no están interesados en cubrir y se está avanzando en un registro de profesionales para estos efectos”, dice el jefe del Departamento de Extranjería y Migración, Rodrigo Sandoval. 
Agrega que entre la razones  para nacionalizarse está el hecho de que son profesionales de alta calificación, con una mayor capacidad de asentamiento definitivo en Chile y vínculos de largo plazo. 
La cubana Estrella Oramas (51), quien trabaja como médico en el consultorio Pedro de Valdivia en Temuco, arribó a Chile hace 25 años, cuando solo habían dos cubanos en el sistema de salud. Sin embargo, según cuenta, fue entre 1997 y 2010 cuando llegaron más especialistas de su país de origen.
“Muchos de los profesionales de la salud (...) optaron por venir a Chile para tener mejores condiciones. Los trámites de nacionalización también tienen relación con eso, pues permiten obtener los mismos derechos, obligaciones y beneficios (que los chilenos)”, dice Oramas. 
Para la ministra de Salud, Helia Molina, hay un déficit “real” de especialistas y, además, están mal distribuidos. Así, la autoridad sostiene que están trabajando un plan maestro con las universidades para palear esta falta. “En Cuba hay muchos médicos por habitante y no hay trabas para estudiar medicina. Por lo mismo, estamos trabajando con la Corporación Nacional Autónoma de Certificación de Especialidades Médicas  (Conacem) y con las universidades, para darles la oportunidad de venir a trabajar, respetando nuestra legislación”, dice. 
En tanto, Camilo Bass, presidente de la Asociación de Médicos de Atención Primaria, manifestó que pese a que no hay una certeza de cuántos médicos cubanos hay en el sistema público, “es un hecho que la cantidad ha aumentado significativamente en el tiempo”. Según explica, las razones asociadas a ello es que las remuneraciones son mucho mayores que las de Cuba y que hay un sistema público de salud muy deficitario en relación a la cantidad de médicos. 
Cambios a la norma 
El Departamento de Extranjería estudia hacer modificaciones al decreto N° 5142 sobre las disposiciones de nacionalización de extranjeros. 
Entre ellas, evalúan establecer legalmente la definición y alcance del concepto de “hijo de extranjero transeúnte”. Con esto, la idea es que los menores cuyos padres están situación migratoria irregular, no son transeúntes, por lo tanto, por ley se deben considerar chilenos. Con esto, se les facilitará el acceso a la educación y a la salud pública.
Al respecto, Pablo Vera, encargado del área jurídica del Servicio Jesuita a Migrantes, dice que “toda medida tendiente a garantizar el respeto de este derecho es positiva”. Para Delio Cubides, secretario ejecutivo de la Fundación Instituto Católico Chileno de Migración (INCAMI), podría ser “una forma de dar mas inclusión al proceso de inserción de los migrantes en Chile, porque como se viene aplicando el acceso a la nacionalidad genera ciertas restricciones”.
La Tercera

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Reforma imigratória de Obama pode beneficiar 22 mil brasileiros



 A reforma imigratória anunciada pelo presidente dos EUA, Barack Obama, pode beneficiar cerca de 22 mil brasileiros em um universo de 3,85 milhões de imigrantes irregulares que devem passar a receber proteção no país, segundo um novo levantamento do instituto Pew Research Center.

Na semana passada, Obama desafiou o Congresso americano ao assinar a ação executiva da reforma, que deve evitar, ao menos temporariamente, a deportação de imigrantes e que se aplica, sobretudo, aos que estão no país há ao menos cinco anos e são pais de crianças cidadãs ou residentes nos Estados Unidos.
Ainda que o plano do presidente não ofereça cidadania ou garanta a esses imigrantes os mesmos direitos que os dos cidadãos americanos, faz com que eles estejam aptos a receber vistos de trabalho de até três anos e fiquem protegidos de deportações.
Segundo as estimativas do Pew, o grupo mais beneficiado pela reforma será o de mexicanos.
"Imigrantes não autorizados do México representam dois terços dos que ficarão aptos a serem poupados da deportação, sendo que eles representam cerca da metade da população irregular do país", diz o levantamento.

Programas prévios

Antes, 11% dos mexicanos irregulares nos EUA estavam protegidos por programas prévios de suspensão da deportação. Agora, essa porcentagem subiu para 55%, o que equivale a 3,2 milhões de pessoas.
Entre os brasileiros, cuja população irregular nos EUA soma cerca de 100 mil pessoas, segundo o Pew, 22% estão entre as que podem ficar livres da deportação pela nova reforma de Obama. Somando-se aos que já eram protegidos por programas prévios pró-imigrantes, essa porcentagem sobe para 31%, ou 31 mil pessoas.
É um dos menores grupos de imigrantes entre os beneficiados pela reforma.Levando-se em conta todos os sul-americanos, 37% (ou 275 mil) estão agora mais distantes da deportação, tanto por conta da medida assinada por Obama quanto pelas iniciativas humanitárias prévias; entre os centro-americanos e caribenhos, são 51% e 41%, respectivamente (equivalente a 850 mil e 230 mil, respectivamente).
As estimativas são feitas com base em dados demográficos de 2012.
Atualmente, cerca de 11,2 milhões de imigrantes ilegais vivem ilegalmente nos Estados Unidos. Neste ano, uma crise eclodiu quando foi noticiado que crianças que cruzavam a fronteira poderiam ser deportadas.
"Se você está nos EUA há mais de cinco anos, têm filhos que são cidadãos americanos ou residentes legais, se registrar, tiver bons antecedentes criminais e estiver disposto a pagar sua quota justa de impostos, você poderá se inscrever para ficar no país temporariamente, sem medo da deportação", disse Obama em pronunciamento na TV na quinta-feira passada. "Você poderá sair das sombras e ficar em dia com a lei."

BBCBRASIL

Discurso do Papa Francisco ao Parlamento Europeu


Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Vice-Presidentes,
Ilustres Eurodeputados,
Pessoas que a vário título trabalhais neste hemiciclo,
Queridos amigos!
Agradeço-vos o convite para falar perante esta instituição fundamental da vida da União Europeia e a oportunidade que me proporcionais de me dirigir, por vosso intermédio, a mais de quinhentos milhões de cidadãos por vós representados nos vinte e oito Estados membros. Desejo exprimir a minha gratidão de modo particular a Vossa Excelência, Senhor Presidente do Parlamento, pelas cordiais palavras de boas-vindas que me dirigiu em nome de todos os componentes da Assembleia.
A minha visita tem lugar passado mais de um quarto de século da realizada pelo Papa João Paulo II. Desde aqueles dias, muita coisa mudou na Europa e no mundo inteiro. Já não existem os blocos contrapostos que, então, dividiam em dois o Continente e, lentamente, está a realizar-se o desejo de que «a Europa, ao dotar-se soberanamente de instituições livres, possa um dia desenvolver-se em dimensões que lhe foram dadas pela geografia e, mais ainda, pela história» .
A par duma União Europeia mais ampla, há também um mundo mais complexo e em intensa movimentação: um mundo cada vez mais interligado e global e, consequentemente, sempre menos «eurocêntrico». A uma União mais alargada, mais influente, parece contrapor-se a imagem duma Europa um pouco envelhecida e empachada, que tende a sentir-se menos protagonista num contexto que frequentemente a olha com indiferença, desconfiança e, por vezes, com suspeita.
Hoje, falando-vos a partir da minha vocação de pastor, desejo dirigir a todos os cidadãos europeus uma mensagem de esperança e encorajamento.
Uma mensagem de esperança assente na confiança de que as dificuldades podem revelar-se, fortemente, promotoras de unidade, para vencer todos os medos que a Europa – juntamente com o mundo inteiro – está a atravessar. Esperança no Senhor que transforma o mal em bem e a morte em vida.
Encorajamento a voltar à firme convicção dos Pais fundadores da União Europeia, que desejavam um futuro assente na capacidade de trabalhar juntos para superar as divisões e promover a paz e a comunhão entre todos os povos do Continente. No centro deste ambicioso projecto político, estava a confiança no homem, não tanto como cidadão ou como sujeito económico, mas no homem como pessoa dotada de uma dignidade transcendente.
Sinto obrigação, antes de mais nada, de sublinhar a ligação estreita que existe entre estas duas palavras: «dignidade» e «transcendente».
«Dignidade» é a palavra-chave que caracterizou a recuperação após a Segunda Guerra Mundial. A nossa história recente caracteriza-se pela inegável centralidade da promoção da dignidade humana contra as múltiplas violências e discriminações que não faltaram, ao longo dos séculos, nem mesmo na Europa. A percepção da importância dos direitos humanos nasce precisamente como resultado de um longo caminho, feito também de muitos sofrimentos e sacrifícios, que contribuiu para formar a consciência da preciosidade, unicidade e irrepetibilidade de cada pessoa humana. Esta tomada de consciência cultural tem o seu fundamento não só nos acontecimentos da história, mas sobretudo no pensamento europeu, caracterizado por um rico encontro cujas numerosas e distantes fontes provêm «da Grécia e de Roma, de substratos celtas, germânicos e eslavos, e do cristianismo que os plasmou profundamente» , dando origem precisamente ao conceito de «pessoa».
Hoje, a promoção dos direitos humanos ocupa um papel central no empenho da União Europeia que visa promover a dignidade da pessoa, tanto no âmbito interno como nas relações com os outros países. Trata-se de um compromisso importante e admirável, porque persistem ainda muitas situações onde os seres humanos são tratados como objectos, dos quais se pode programar a concepção, a configuração e a utilidade, podendo depois ser jogados fora quando já não servem porque se tornaram frágeis, doentes ou velhos.
Realmente que dignidade existe quando falta a possibilidade de exprimir livremente o pensamento próprio ou professar sem coerção a própria fé religiosa? Que dignidade é possível sem um quadro jurídico claro, que limite o domínio da força e faça prevalecer a lei sobre a tirania do poder? Que dignidade poderá ter um homem ou uma mulher tornados objecto de todo o género de discriminação? Que dignidade poderá encontrar uma pessoa que não tem o alimento ou o mínimo essencial para viver e, pior ainda, o trabalho que o unge de dignidade?
Promover a dignidade da pessoa significa reconhecer que ela possui direitos inalienáveis, de que não pode ser privada por arbítrio de ninguém e, muito menos, para benefício de interesses económicos.
É preciso, porém, ter cuidado para não cair em alguns equívocos que podem surgir de um errado conceito de direitos humanos e de um abuso paradoxal dos mesmos. De facto, há hoje a tendência para uma reivindicação crescente de direitos individuais, que esconde uma concepção de pessoa humana separada de todo o contexto social e antropológico, quase como uma «mónada» (μονάς) cada vez mais insensível às outras «mónadas» ao seu redor. Ao conceito de direito já não se associa o conceito igualmente essencial e complementar de dever, acabando por afirmar-se os direitos do indivíduo sem ter em conta que cada ser humano está unido a um contexto social, onde os seus direitos e deveres estão ligados aos dos outros e ao bem comum da própria sociedade.
Por isso, considero que seja mais vital hoje do que nunca aprofundar uma cultura dos direitos humanos que possa sapientemente ligar a dimensão individual, ou melhor pessoal, à do bem comum, àquele «nós-todos» formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social . Na realidade, se o direito de cada um não está harmoniosamente ordenado para o bem maior, acaba por conceber-se sem limitações e, por conseguinte, tornar-se fonte de conflitos e violências.
Assim, falar da dignidade transcendente do homem significa apelar para a sua natureza, a sua capacidade inata de distinguir o bem do mal, para aquela «bússola» inscrita nos nossos corações e que Deus imprimiu no universo criado ; sobretudo significa olhar para o homem, não como um absoluto, mas como um ser relacional. Uma das doenças que, hoje, vejo mais difusa na Europa é a solidão, típica de quem está privado de vínculos. Vemo-la particularmente nos idosos, muitas vezes abandonados à sua sorte, bem como nos jovens privados de pontos de referência e de oportunidades para o futuro; vemo-la nos numerosos pobres que povoam as nossas cidades; vemo-la no olhar perdido dos imigrantes que vieram para cá à procura de um futuro melhor.
Uma tal solidão foi, depois, agravada pela crise económica, cujos efeitos persistem ainda com consequências dramáticas do ponto de vista social. Pode-se também constatar que, no decurso dos últimos anos, a par do processo de alargamento da União Europeia, tem vindo a crescer a desconfiança dos cidadãos relativamente às instituições consideradas distantes, ocupadas a estabelecer regras vistas como distantes da sensibilidade dos diversos povos, se não mesmo prejudiciais. De vários lados se colhe uma impressão geral de cansaço e envelhecimento, de uma Europa avó que já não é fecunda nem vivaz. Daí que os grandes ideais que inspiraram a Europa pareçam ter perdido a sua força de atracção, em favor do tecnicismo burocrático das suas instituições.
A isto vêm juntar-se alguns estilos de vida um pouco egoístas, caracterizados por uma opulência actualmente insustentável e muitas vezes indiferente ao mundo circundante, sobretudo dos mais pobres. No centro do debate político, constata-se lamentavelmente a preponderância das questões técnicas e económicas em detrimento de uma autêntica orientação antropológica . O ser humano corre o risco de ser reduzido a mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo a ser utilizado, de modo que a vida – como vemos, infelizmente, com muita frequência –, quando deixa de ser funcional para esse mecanismo, é descartada sem muitas delongas, como no caso dos doentes terminais, dos idosos abandonados e sem cuidados, ou das crianças mortas antes de nascer.
É o grande equívoco que se verifica «quando prevalece a absolutização da técnica» , acabando por gerar «uma confusão entre fins e meios» , que é o resultado inevitável da «cultura do descarte» e do «consumismo exacerbado». Pelo contrário, afirmar a dignidade da pessoa significa reconhecer a preciosidade da vida humana, que nos é dada gratuitamente não podendo, por conseguinte, ser objecto de troca ou de comércio. Na vossa vocação de parlamentares, sois chamados também a uma grande missão, ainda que possa parecer não lucrativa: cuidar da fragilidade dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura, luta e fecundidade no meio dum modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à «cultura do descarte». Cuidar da fragilidade das pessoas e dos povos significa guardar a memória e a esperança; significa assumir o presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo de dignidade .
Mas, então, como fazer para se devolver esperança ao futuro, de modo que, a partir das jovens gerações, se reencontre a confiança para perseguir o grande ideal de uma Europa unida e em paz, criativa e empreendedora, respeitadora dos direitos e consciente dos próprios deveres?
Para responder a esta pergunta, permiti-me lançar mão de uma imagem. Um dos mais famosos afrescos de Rafael que se encontram no Vaticano representa a chamada Escola de Atenas. No centro, estão Platão e Aristóteles. O primeiro com o dedo apontando para o alto, para o mundo das ideias, poderíamos dizer para o céu; o segundo estende a mão para a frente, para o espectador, para a terra, a realidade concreta. Parece-me uma imagem que descreve bem a Europa e a sua história, feita de encontro permanente entre céu e terra, onde o céu indica a abertura ao transcendente, a Deus, que desde sempre caracterizou o homem europeu, e a terra representa a sua capacidade prática e concreta de enfrentar as situações e os problemas.
O futuro da Europa depende da redescoberta do nexo vital e inseparável entre estes dois elementos. Uma Europa que já não seja capaz de se abrir à dimensão transcendente da vida é uma Europa que lentamente corre o risco de perder a sua própria alma e também aquele «espírito humanista» que naturalmente ama e defende.
É precisamente a partir da necessidade de uma abertura ao transcendente que pretendo afirmar a centralidade da pessoa humana; caso contrário, fica à mercê das modas e dos poderes do momento. Neste sentido, considero fundamental não apenas o património que o cristianismo deixou no passado para a formação sociocultural do Continente, mas também e sobretudo a contribuição que pretende dar hoje e no futuro para o seu crescimento. Esta contribuição não constitui um perigo para a laicidade dos Estados e para a independência das instituições da União, mas um enriquecimento. Assim no-lo indicam os ideais que a formaram desde o início, tais como a paz, a subsidiariedade e a solidariedade mútua, um humanismo centrado no respeito pela dignidade da pessoa.
Por isso, desejo renovar a disponibilidade da Santa Sé e da Igreja Católica, através da Comissão das Conferências Episcopais da Europa (COMECE), a manter um diálogo profícuo, aberto e transparente com as instituições da União Europeia. De igual modo, estou convencido de que uma Europa que seja capaz de conservar as suas raízes religiosas, sabendo apreender a sua riqueza e potencialidades, pode mais facilmente também permanecer imune a tantos extremismos que campeiam no mundo actual – o que se fica a dever também ao grande vazio de ideais a que assistimos no chamado Ocidente –, pois «o que gera a violência não é a glorificação de Deus, mas o seu esquecimento» .
Não podemos deixar de recordar aqui as numerosas injustiças e perseguições que se abatem diariamente sobre as minorias religiosas, especialmente cristãs, em várias partes do mundo. Comunidades e pessoas estão a ser objecto de bárbaras violências: expulsas de suas casas e pátrias; vendidas como escravas; mortas, decapitadas, crucificadas e queimadas vivas, sob o silêncio vergonhoso e cúmplice de muitos.
O lema da União Europeia é Unidade na diversidade, mas a unidade não significa uniformidade política, económica, cultural ou de pensamento. Na realidade, toda a unidade autêntica vive da riqueza das diversidades que a compõem: como uma família, que é tanto mais unida quanto mais cada um dos seus componentes pode ser ele próprio profundamente e sem medo. Neste sentido, considero que a Europa seja uma família de povos, os quais poderão sentir próximas as instituições da União se estas souberem conjugar sapientemente o ideal da unidade, por que se anseia, com a diversidade própria de cada um, valorizando as tradições individuais; tomando consciência da sua história e das suas raízes; libertando-se de tantas manipulações e fobias. Colocar no centro a pessoa humana significa, antes de mais nada, deixar que a mesma exprima livremente o próprio rosto e a própria criatividade tanto de indivíduo como de povo.
Por outro lado, as peculiaridades de cada um constituem uma autêntica riqueza na medida em que são colocadas ao serviço de todos. É preciso ter sempre em mente a arquitectura própria da União Europeia, assente sobre os princípios de solidariedade e subsidiariedade, de tal modo que prevaleça a ajuda recíproca e seja possível caminhar animados por mútua confiança.
Nesta dinâmica de unidade-particularidade, coloca-se também diante de vós, Senhores e Senhoras Eurodeputados, a exigência de cuidardes de manter viva a democracia dos povos da Europa. Não escapa a ninguém que uma concepção homologante da globalidade afecta a vitalidade do sistema democrático, depauperando do que tem de fecundo e construtivo o rico contraste das organizações e dos partidos políticos entre si. Deste modo, corre-se o risco de viver no reino da ideia, da mera palavra, da imagem, do sofisma... acabando por confundir a realidade da democracia com um novo nominalismo político. Manter viva a democracia na Europa exige que se evitem muitas «maneiras globalizantes» de diluir a realidade: os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os fundamentalismos a-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria .
Manter viva a realidade das democracias é um desafio deste momento histórico, evitando que a sua força real – força política expressiva dos povos – seja removida face à pressão de interesses multinacionais não universais, que as enfraquecem e transformam em sistemas uniformizadores de poder financeiro ao serviço de impérios desconhecidos. Este é um desafio que hoje vos coloca a história.
Dar esperança à Europa não significa apenas reconhecer a centralidade da pessoa humana, mas implica também promover os seus dotes. Trata-se, portanto, de investir nela e nos âmbitos onde os seus talentos são formados e dão fruto. O primeiro âmbito é seguramente o da educação, a começar pela família, célula fundamental e elemento precioso de toda a sociedade. A família unida, fecunda e indissolúvel traz consigo os elementos fundamentais para dar esperança ao futuro. Sem uma tal solidez, acaba-se por construir sobre a areia, com graves consequências sociais. Aliás, sublinhar a importância da família não só ajuda a dar perspectivas e esperança às novas gerações, mas também a muitos idosos, frequentemente constrangidos a viver em condições de solidão e abandono, porque já não há o calor dum lar doméstico capaz de os acompanhar e apoiar.
Ao lado da família, temos as instituições educativas: escolas e universidades. A educação não se pode limitar a fornecer um conjunto de conhecimentos técnicos, mas deve favorecer o processo mais complexo do crescimento da pessoa humana na sua totalidade. Os jovens de hoje pedem para ter uma formação adequada e completa, a fim de olharem o futuro com esperança e não com desilusão. Aliás são numerosas as potencialidades criativas da Europa em vários campos da pesquisa científica, alguns dos quais ainda não totalmente explorados. Basta pensar, por exemplo, nas fontes alternativas de energia, cujo desenvolvimento muito beneficiaria a defesa do meio ambiente.
A Europa sempre esteve na vanguarda dum louvável empenho a favor da ecologia. De facto, esta nossa terra tem necessidade de cuidados e atenções contínuos e é responsabilidade de cada um preservar a criação, dom precioso que Deus colocou nas mãos dos homens. Isto significa, por um lado, que a natureza está à nossa disposição, podemos gozar e fazer bom uso dela; mas, por outro, significa que não somos os seus senhores. Guardiões, mas não senhores. Por isso, devemos amá-la e respeitá-la; mas, «ao contrário, somos frequentemente levados pela soberba do domínio, da posse, da manipulação, da exploração; não a “guardamos”, não a respeitamos, não a consideramos como um dom gratuito do qual cuidar» . Mas, respeitar o ambiente não significa apenas limitar-se a evitar deturpá-lo, mas também utilizá-lo para o bem. Penso sobretudo no sector agrícola, chamado a dar apoio e alimento ao homem. Não se pode tolerar que milhões de pessoas no mundo morram de fome, enquanto toneladas de produtos alimentares são descartadas diariamente das nossas mesas. Além disso, respeitar a natureza lembra-nos que o próprio homem é parte fundamental dela. Por isso, a par duma ecologia ambiental, é preciso a ecologia humana, feita daquele respeito pela pessoa que hoje vos pretendi recordar com as minhas palavras.
O segundo âmbito em que florescem os talentos da pessoa humana é o trabalho. É tempo de promover as políticas de emprego, mas acima de tudo é necessário devolver dignidade ao trabalho, garantindo também condições adequadas para a sua realização. Isto implica, por um lado, encontrar novas maneiras para combinar a flexibilidade do mercado com as necessidades de estabilidade e certeza das perspectivas de emprego, indispensáveis para o desenvolvimento humano dos trabalhadores; por outro, significa fomentar um contexto social adequado, que não vise explorar as pessoas, mas garantir, através do trabalho, a possibilidade de construir uma família e educar os filhos.
De igual forma, é necessário enfrentar juntos a questão migratória. Não se pode tolerar que o Mar Mediterrâneo se torne um grande cemitério! Nos barcos que chegam diariamente às costas europeias, há homens e mulheres que precisam de acolhimento e ajuda. A falta de um apoio mútuo no seio da União Europeia arrisca-se a incentivar soluções particularistas para o problema, que não têm em conta a dignidade humana dos migrantes, promovendo o trabalho servil e contínuas tensões sociais. A Europa será capaz de enfrentar as problemáticas relacionadas com a imigração, se souber propor com clareza a sua identidade cultural e implementar legislações adequadas capazes de tutelar os direitos dos cidadãos europeus e, ao mesmo tempo, garantir o acolhimento dos imigrantes; se souber adoptar políticas justas, corajosas e concretas que ajudem os seus países de origem no desenvolvimento sociopolítico e na superação dos conflitos internos – a principal causa deste fenómeno – em vez das políticas interesseiras que aumentam e nutrem tais conflitos. É necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos.

Senhor Presidente, Excelências, Senhoras e Senhores Deputados!
A consciência da própria identidade é necessária também para dialogar de forma propositiva com os Estados que se candidataram à adesão à União Europeia no futuro. Penso sobretudo nos Estados da área balcânica, para os quais a entrada na União Europeia poderá dar resposta ao ideal da paz numa região que tem sofrido enormemente por causa dos conflitos do passado. Por fim, a consciência da própria identidade é indispensável nas relações com os outros países vizinhos, particularmente os que assomam ao Mediterrâneo, muitos dos quais sofrem por causa de conflitos internos e pela pressão do fundamentalismo religioso e do terrorismo internacional.
A vós, legisladores, compete a tarefa de preservar e fazer crescer a identidade europeia, para que os cidadãos reencontrem confiança nas instituições da União e no projecto de paz e amizade que é o seu fundamento. Sabendo que, «quanto mais aumenta o poder dos homens, tanto mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e comunitária» , exorto-vos a trabalhar para que a Europa redescubra a sua alma boa.
Um autor anónimo do século II escreveu que «os cristãos são no mundo o que a alma é para o corpo» . A tarefa da alma é sustentar o corpo, ser a sua consciência e memória histórica. E uma história bimilenária liga a Europa e o cristianismo. Uma história não livre de conflitos e erros, mas sempre animada pelo desejo de construir o bem. Vemo-lo na beleza das nossas cidades e, mais ainda, na beleza das múltiplas obras de caridade e de construção comum que constelam o Continente. Esta história ainda está, em grande parte, por escrever. Ela é o nosso presente e também o nosso futuro. É a nossa identidade. E a Europa tem uma necessidade imensa de redescobrir o seu rosto para crescer, segundo o espírito dos seus Pais fundadores, na paz e na concórdia, já que ela mesma não está ainda isenta dos conflitos.
Queridos Eurodeputados, chegou a hora de construir juntos a Europa que gira, não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana, dos valores inalienáveis; a Europa que abraça com coragem o seu passado e olha com confiança o seu futuro, para viver plenamente e com esperança o seu presente. Chegou o momento de abandonar a ideia de uma Europa temerosa e fechada sobre si mesma para suscitar e promover a Europa protagonista, portadora de ciência, de arte, de música, de valores humanos e também de fé. A Europa que contempla o céu e persegue ideais; a Europa que assiste, defende e tutela o homem; a Europa que caminha na terra segura e firme, precioso ponto de referência para toda a humanidade!
Obrigado!
Radio Vaticano